Mais hidromel e menos paçoca

Chegando à sua 14ª edição este ano, o Odin’s Krieger Fest, já tradicional evento e referência em cultura medieval, nunca decepcionou quando o assunto foi entregar artistas e atrações de alta qualidade em seus palcos. Este ano, o evento, que acontece nos dias 01 de novembro em São Paulo e 02 de novembro em Curitiba, conta com Nanowar of Steel e Heidevolk como suas principais atrações (clique aqui para acessar mais informações sobre a venda dos ingressos). No entanto, sentindo que poderiam ofertar outro tipo de experiência para seu já fiel público, a organização do evento resolveu criar uma espécie de “esquenta”, chamada Odin’s Krieger Party - Littledin.

O nome já dizia tudo: uma versão “mini” do já reconhecido festival, como uma forma de “prévia” para aqueles que não aguentariam esperar até o fim do ano, trazendo a mesma energia e animação, com estrutura e atrações distintas, porém em menor proporção. Menor, bem entre aspas, se diga de passagem, pois, tendo como local a Burning House, em São Paulo, e em pleno mês das festas juninas, a quadrilha, o quentão e a paçoca foram substituídos por um evento de 12h de duração, regado a cerveja, hidromel e grandes nomes da cena nacional.

Foto: Rato

Chegou a hora de andar na prancha

Abrindo os trabalhos e as rolhas do rum, A Lenda dos Garotos Perdidos tomou conta do palco da Burning House, trazendo muita melodia, presença, bebida e pirataria. “Vindos” diretamente de uma Inglaterra dos anos 1358, o palco parecia extremamente pequeno para os oito integrantes (sim, você não leu errado) que desafiavam a física espacial no palco da Burning House: Zack de la Boose e Marygold Bone nos vocais, Teague A. Black e Flanterroy nas guitarras, Oton del Barton no baixo, James Max nos teclados, Bec Longshot no banjo e Johnny Whatsom no comando da bateria.

Essa foi a fórmula perfeita para a farra e balbúrdia que este grupo de ruffiões trouxe para o início do Littledin, daqueles que criam uma perfeita atmosfera medieval e te transportam para a taverna mais escusa, escondida entre os becos de uma cidade portuária. Com faixas energéticas e bem animadas como a já-logo-de-cara Yoho e O Fim do Silêncio, a animação era simplesmente contagiante, fazendo com que os mais devassos marujos se pusessem a andar na prancha, o que basicamente significava a parcela do público que se colocava à frente do palco para dançar e saltar em meio às boas badaladas rítmicas do grupo.

Foto: Rato

Neste mix de harmonias entre as vozes de Zack e Marygold (e as ocasionais pausas para a ingestão necessária da água dourada), entre o hasteamento da bandeira pirata que brandia frente ao público, os risos, os riffs e as batidas, o clima era de completa festa, onde se passaram músicas tanto autorais, como Rei da Inglaterra, Coquetel Molotov, a um cover de Come Together, que não foi feito por um submarino amarelo, mas por um galeão marrom-perolado, cujo único amarelo estava nos dentes.

Ou talvez nas barbas do lendário pirata proferido na música Barba Dourada, ponto este do show em que o enjôo do mar não poderia mais ser confundido pelo que realmente era: o empapuçado do rum que batia o fundo do estômago. Impressionante não só era a energia para a bebida, mas a energia contagiante da banda que não ficava só nos palcos. Foi isso que vimos aos embalos de Alcione com uma versão bucaneira de Não Deixa o Samba Morrer, como prefácio para Thereza, dramática música para roubar lágrimas do último cão sarnento, onde Zack fez questão de descer aos palcos, valseando com alguns transeuntes desavisados que simplesmente se permitiam ser conduzidos pelo capitão fanfarrão.

Foto: Rato

De momentos dramáticos como em A Ruth Morreu de Soluço à animação instantânea de Um Final Sensacional, foi simplesmente impossível ficar parado junto à baderna da Lenda dos Garotos Perdidos, com direito ainda a um superfinal onde Teague, Flanterroy e Bec desceram para mandar os últimos riffs em meio ao público, que ainda se posicionou em frente ao palco em forma de uma rede humana, de braços abertos, para receber Marygold, que saltava no final mais épico que uma baderna poderia pedir.

Uma hora de lobos e escudos quebrados

Após toda a farra e energia enebriante proporcionada pela Lenda, o clima pelo evento era de leveza e tranquilidade, à medida que também as pessoas tomavam a oportunidade para circular pelos diversos stands presentes no espaço, de roupas típicas medievais à venda de hidromel, itens trabalhados em malha (como uma cota de malha, sim, aquela mesmo), adornos, acessórios e por aí vai. Ainda era cedo, porém o movimento ia pouco a pouco crescendo, mostrando que a expectativa poderia, sim, ser a de uma casa bem abarrotada.

Foi aí então que subiram ao palco Maycon Avelino (bateria), Guilherme Calegari (guitarra), Diogo Nunes (vocal), Lucas Oliveira (guitarra) e Rodrigo Gagliardi (baixo) para trazer um novo tom e ritmo para a festança. Isso porque, diferente da trupe pirata anterior, ou das demais atrações do dia, a Throw Me To The Wolves provavelmente trazia a proposta mais diferente do dia. Com riffs virtuosos e cortantes, velocidade, potência e muito pedal duplo, essa banda, que com seu próprio tempero traz muito do melhor que a escola de Gotemburgo pode oferecer, trouxe talvez o lado mais berserker para o festival.

Foto: Rato

Com um início impresso direto da mitologia grega, Genesis, Chaos e Tartarus vieram para já deixar a mensagem clara de que o quinteto não estava para brincadeira. Guitarras dobradas, viradas sinistras, baixo na régua e a harmonia com os guturais pesados impressionaram quem ainda não teve contato com o melodic death metal dessa banda que acabara de lançar seu álbum debut, Days of Retribution.

Curiosamente, a música que logo veio na sequência serviu muito bem para deixar claro a potência vocal de Diogo através de seus gritos e inconfundível presença de palco totalmente entrosada com seus companheiros de palco, sempre com seu momento para brilhar. E lembra que havia comentado que a banda trouxe um lado mais berserk para o festival? Pois bem, conectando da melhor forma este lado mais agressivo da cultura medieval para a festança, a banda fez uma bela homenagem ao Amon Amarth, ao tocar The Pursuit of Vikings, música que, se até aquele ponto o público não tinha ido à loucura, agora acenavam entre si como quem diz “É... os caras são fod4 mesmo”.

Foto: Rato

Na sequência, com Fragments e Awakening My Demons, retomaram ao seu acervo, com direito às esmurradas sem piedade de Maycon na bateria e os solos intercalados entre Guilherme e Lucas, que, entre técnica e feeling, mostravam uma coesão e naturalidade em palco imparáveis. “Vamos c@ralh000!” berrava Guilherme a cada intro, outro ou solo, se fazendo presente e muito energético ao incendiar o público, que a essa altura colocava os chifres para o ar e balançava a cabeça freneticamente.

E para selar ainda o destino dos presentes rumo aos portões de Moria, An Hour of Wolves, música dedicada a um trecho de O Senhor dos Anéis, veio para dar ainda mais atropelo ao pouco de fôlego que se pôde recuperar, seja pela referência à cultura pop extremamente apreciada por quem ouvia a história pela primeira vez, seja por aqueles que já se preparavam e se colocavam à postos para o derradeiro momento do bate-cabeça.

Uma viagem pela idade média

Com a euforia e a tempestade viking passadas, os ânimos foram se acalmando e os copos de cerveja se repondo, à medida que a movimentação dentro do espaço da Burning House ia ficando cada vez mais reduzida. Em meio a um palco que ia pouco a pouco tomando forma, antes, um grupo de pessoas com armaduras e vestimentas dignas daqueles filmes medievais adentravam o espaço da pista, pedindo para que os transeuntes se afastassem, para ali se iniciar uma festa de pancadaria, espadadas, maçadas, machadadas e por aí vai.

Claro que, longe de uma briga real, uma verdadeira encenação de batalha campal se deu lugar, fazendo os escudos lascarem e o metal vibrar a cada pancada entre os companheiros que arrancavam aplausos, gritos e a euforia do público. Após o inesperado momento e, centrando-se novamente na região do palco, cinco cadeiras eram postas sob uma meia luz de um azul turvo que tornava o ambiente mais calmo, sombrio até, em meio a um silêncio e inquietação que iam tomando conta.

Foto: Rato

Pouco a pouco, adentravam Karina Moreno (percussão e voz), Henrique Romagnolo (violão, bandolim e voz), Bardo (violino, harpa, banjo e voz), Hugo Taboga (percussão e voz) e Ricardo Amaro (voz, violão, flauta, mandola e gaita de fole). Diferentemente das atrações anteriores, sentaram-se e tomaram para si seus instrumentos. Formada em 2008, a Taberna Folk traz uma curiosa proposta de resgate da música do velho continente, muitas vezes apresentando pela primeira vez para o público o folk em seu estado mais puro, simples e belo.

Com as canecas cheias até formar aquela bela espuma branca, fomos teletransportados da Inglaterra à Escócia, à Escandinávia e além, entre releituras e músicas próprias adaptadas que ora estavam em um inglês mais familiar, ora em idiomas tão distantes que não se pode fazer nada, senão “sentir” as letras por entre os gestos, melodias e timbres emanados do grupo.

Foto: Rato

De títulos como Fee Ra Huri a Mead Party, Drunken Lullabies e In Taberna, a sensação provida para estes veteranos de Odin’s Krieger Fest não é outra senão a de se visualizar com roupas de época e uma coceira incansável para se ver a dançar. Entre músicas de fogueira e aquelas boas para pedir a mão de uma dama para dançar, a atmosfera do show do Taberna Folk é algo diferente e único, quase mágico. Talvez por toda a acústica presente e o pacing mais lento, tal qual nos “tempos antigos”. Não fosse a língua distante, ainda que muitos presentes cantassem entre aqueles mais tímidos e aqueles a plenos pulmões, caso fosse em idioma comum, é certeiro que estaríamos em torno de um coro humano acompanhando boa parte do repertório.

Com destaque ainda para grandes e fortes títulos como a lendária Helvegen do Wardruna e outros títulos como Da Que Deus, I’se the B’y e Sieben, um claro destaque da apresentação se dá pela própria presença marcante de Ricardo, que com muito carisma, fosse no barulho dos sinos presos à sua bota a cada batida de pé, ao mágico som da gaita de fole, ou o impressionante momento em que o mesmo toca duas flautas simultâneas (pela boca e pelo nariz!), o clima de festança e alegria medieval era tal qual parecia materializar um verdadeiro banquete onde quase se podia vislumbrar uma grande mesa de madeira e a comida típica à nossa frente. Talvez pelos poucos dias passados do tradicional Jantar Medieval, anualmente realizado pelos músicos, que pelas fotos já deixou alguém aqui passando vontade.

Foto: Rato

Canecas vazias, mentes leves e sorriso no rosto representaram o fim da apresentação do Taberna, que é uma daquelas bandas necessárias de se fazer presente neste tipo de evento, assim como no próprio Odin’s Krieger, seja Fest, seja Party, parece não haver muita vida, ou algo a ser celebrado, sem a presença deste quinteto.

Encerrando em uma grande quadrilha

Mais uma pausa para respiro e para o encher de canecas e, agora, o espaço da Burning House estava bem cheio. Mais um girar de pessoas (com mais dificuldade), por entre os stands e antes de que fôssemos para o grand finale, uma misteriosa e enigmática figura se colocava em cima do palco. Ao som atmosférico dos tempos antigos (e em alguns momentos com pitadas do Oriente), tivemos uma bela apresentação de dança do ventre/fusion, com direito a incensário, leques e espada, que trouxe todo um drama, sutileza e magia para os palcos (já energizados) da Burning House.

Após a grata surpresa na forma desta arte milenar, chegou a hora de uma última atração antes de os canecos serem virados de cabeça para baixo e o taverneiro mandar a todos os seus clientes “chisparem” logo dali. Mas antes que tal feita se desse, primeiro, era o momento de receber ao palco um inusitado quarteto formado por Marcus Zambello (voz e bandolim), Sanders Uchoa (violino), Wagner Creoruska (voz, banjo e percussão) e Beto Granjeia no inusitado contrabaixo acústico, O Bardo e o Banjo.

Foto: Rato

Misturando elementos de country, bluegrass e blues, a sensação da apresentação deles era a encarnação da expressão “festa no celeiro”, uma curiosa sensação que te transportava para alguma cidade desconhecida no interior do sul estadunidense.

Com um variado set que foi de músicas próprias como O Diabo foi para a Giorgia (com direito a chifrinhos), Festa no Celeiro, Moda de Banjo (aqui vale a referência sonora à moda de viola bem caipira brasileira) e Homepath, a covers que caíram como uma luva como Ace of Spades, The Bard’s Song In Forest e Losing My Religion (que curiosamente conseguiu ser convertida em uma música agitada), foi praticamente impossível ficar parado em meio à baderna calculadamente conduzida pela banda, que refletiu imediatamente em todos que se colocavam a dançar, valsear, pular, rodopiar e, é claro, beber.

A festa parecia que não teria fim à medida que, com muito humor, a banda trazia uma vivacidade que caiu como uma luva para a construção do fim do evento. Fosse para cantar em plenos pulmões os covers, ou bater palmas rítmicas à medida que iam aprendendo as letras da banda, ou quem sabe ainda, berrar a plenos pulmões Galopeira dos eternos Xitãozinho e Xororó, o clima parecia uma versão country e descontraída daquele auge da festa de 15 anos dos anos 2000, onde a inibição já havia tomado conta e você via aquele tio retraído da família com a gravata na testa dançando Bonde do Tigrão.

Foto: Rato

E quando a festa parecia ter chegado ao seu clímax, onde dali não se poderia ir mais além, Marcus assumiu o microfone provando o contrário, onde, ainda que inicialmente eu havia dito que o festival deixava a paçoca de lado (festa junina) para dar lugar apenas ao hidromel, agindo tal qual um mestre de cerimônias, ao som dos instrumentos o público foi guiado para a mais divertida roda junina, com direito a danças em conjunto com os parceiros, passar pelo túnel, dança sincronizada, roda para um lado, roda para o outro, espiral e toda aquela dança típica de uma boa festa junina. Afinal, quem precisa de mosh, não é mesmo?

E, em todo esse clima de festa, de sorriso no rosto e de copo vazio, o Odin’s Krieger Party se despedia de sua primeira edição, de já grande sucesso, por realizar aquilo que havia dito no início: que aquele seria um esquenta. E como esquentou! Parecia que o público havia participado de uma maratona, tamanho suor que chegava a pingar, que nem parecia que estava um clima frio na noite paulista.Agora, o sentimento que fica é: se esse foi “só” o aquecimento, o que esperar de sua edição oficial, que acontece agora em novembro? Daqui até lá falta pouco e mal podemos nos conter de antecipação para conferir a continuação desta festa que definitivamente surpreendeu a todos que marcaram presença no Littledin.