Games viraram as novas bruxas de Salém e a sua caçada começou no Congresso Nacional, usando de uma velha manobra para partes de um Projeto de Lei rejeitado, o deputado federal Júnior Bozzela desengaveta uma PL de 2009 para conseguir o que quer, proibir os jogos no Brasil
Vídeo-Games entraram na mira dos políticos e da mídia no início da década de 1990, com a guerra dos consoles e a busca pela hegemonia comercial, Nintendo e Sega travavam uma batalha brutal pelos consumidores nos EUA. Quando Mortal Kombat foi anunciado como um jogo multiplataforma ( algo que não era comum a época) a batalha pelos consumidores começou. A Nintendo seguia seu padrão Family Friendly, capando o jogo, colocando mais cores e tirando o sangue e tudo o que era mais gore, ao passo que a Sega manteve o jogo exatamente como a Midway o criou. Após o filho do senador Joseph Lieberman pedir insistentemente pelo jogo, o senador acabou não só assistindo ao comercial apelativo como também as cenas do jogo que o deixou chocado. Foi a partir daí que os jogos passaram a entrar na mira dos políticos.
A caça as bruxas não é novidade no meio da cultura pop e do entretenimento, antes dos jogos serem a "causa da subversão e desvirtuamento da sociedade Ocidental", a música e os quadrinhos estiveram na mira dos conservadores, tanto que foram perseguidos igualmente ou até mais que os jogos. Passaram-se os anos, os jogos foram ficando cada vez mais refinados e cada vez mais violentos e isso alarmou e muito quem é de fora.
Medo do desconhecido
Jogos são representações de uma fantasia, de um mundo imaginário tal como filmes, histórias em quadrinhos, novelas e seriados. Eles não criam pessoas violentas, ou seja, não há nenhum estudo que comprove a ligação direta de pessoas violentas com jogos e seguir com este raciocínio é ignorar anos e anos de estudos sérios e comprovados ( pois todo estudo científico necessita de confirmação e comprovação).
É muito mais fácil para a nossa sociedade culpar um fator externo a buscar soluções para problemas relacionados à saúde mental. A violência urbana e o baixo investimento em educação, geralmente são fatores negligenciados por aqueles que apontam o dedo. Apontam, ainda, principalmente para aquilo que não conhecem, é o que fazemos melhor, e os políticos ao redor do mundo não são muito diferentes. Seguir apontando dedos, buscando um culpado externo, seja por falta de conhecimento ou por falta de caráter, justifica o quanto o desconhecido ainda causa muito medo nas pessoas.
Atentados, massacres e histeria coletiva
A pauta ganhou repercussão novamente após o atentado em Suzano, onde 8 foram assassinados a sangue frio e os atiradores se mataram em seguida. Muito me lembra o ataque em Columbine, onde 12 pessoas foram mortas e os atiradores se mataram em seguida.
Ninguém buscou entender qual era o estado mental deles, se eles tinham qualquer sintoma de sociopatia ou algo do tipo, foram buscar onde eles buscaram "inspiração" para cometer os massacres. Da mesma, forma com o caso da família supostamente morta pelo filho de pouco mais de 12 anos que durante a cobertura do caso a mídia já especulou que seria o garoto por ele usar uma imagem do jogo Assassin's Creed como avatar. Como morto não contesta, ficou fácil para as investigações "seguirem" a linha de investigação levantado pelo apresentador e terem chego ao veredito fantasioso contestado pela família e pela sociedade.
Mas onde quero chegar com tudo isso, é que esses ataques aliados ao espetáculo da violência na TV, à falta de participação da família no dia-a-dia dos filhos, da terceirização da criação dos jovens para TV, celulares, tablets e consequentemente jogos, cria o efeito manada em conjunto com a histeria coletiva. Vide exemplo do Hoax da MOMO em vídeos para crianças no Youtube, ninguém nunca viu .
Se pensarmos na definição do termo histeria coletiva que é basicamente "um distúrbio psicológico em que um grupo de pessoas passa a ter, ao mesmo tempo, um comportamento estranho ou adoecer sem uma causa aparente. Os surtos de histeria coletiva, também conhecida como doença psicogênica de massa, são mais frequentes em grupos fechados, como alunos de uma mesma escola ou trabalhadores de uma empresa, embora também acometa a população em geral. A doença faz a galera ficar mais ansiosa e perder o controle sobre atos e emoções, além de turbinar os sentidos, como tato, olfato, paladar etc. Mesmo que tudo isso seja coisa da cabeça, os “histéricos” chegam a apresentar sintomas como náusea, tontura, fraqueza, desmaio e falta de ar."
fonte: super interessante
No contexto de hoje, no mundo globalizado e conectado, o medo e o caos se espalha muito mais rápido e vai muito mais longe, não cabe mais em um grupo fechado, pois o grupo fechado de hoje é o grupo da família do WhatsApp, é o facebook, o Twitter, algum vídeo miraculante no youtube, que viraliza e se espalha como um vírus que muitas vezes é mais perigoso que o próprio problema.
Mea culpa
Uma coisa é certa, não somos isentos de culpa. A situação chegou ao ponto que estamos por inúmeros motivos já citados porém temos alguns fatores a serem levados em consideração:
A comunidade gamer é uma das mais tóxicas. Não estamos falando dos jogos mas sim dos jogadores, em uma grande parte eles se reúnem em grupos para discutir sobre os jogos mas encontram ali como um lugar seguro para compartilhar suas frustrações do dia-a-dia, seja em relação à frustração em atingir determinado status social, seja por não conseguir seguir o padrão de macho alfa e culpando as mulheres por seu fracasso amoroso e sexual e ali eles passam a compartilhar seus problemas e frustrações que são ignorados fora da tela. Entretanto, ninguém se preocupa com a saúde mental do indivíduo em questão que acaba por encontrar em fóruns ou grupos pessoas com os mesmos problemas e ali eles buscam apontar dedos e culpabilizar pessoas e grupos por seus fracassos e frustrações.
Não só a comunidade como também alguns jogos que, sejamos bem sinceros, são umas verdadeiras aberrações e não é de hoje, recordo-me muito bem de ter em alguns fliperamas ao lado da escola um jogo que era uma espécie de pac-man mas o objetivo era destravar uma imagem pornográfica, e estava lá disponível para qualquer criança não só ver como jogar, ou jogos absurdos como "Rape Day" onde o objetivo do jogo é violentar mulheres, cometer necrofilia e homicídio. Um jogo que só a ideia do seu desenvolvimento já é algo execrável e torpe e na mesma linha temos o Rapelay que é inclusive usado como exemplo na justificativa do projeto de lei PL-6042/2009 do deputado federal Carlos Bezerra.
Se pensarmos como jogadores, é um absurdo a ideia de alguém criar um projeto de lei que PROÍBA jogos violentos, mas ai você vê que a pessoa só teve acesso ou ficou sabendo do Rapelay, ao qual o objetivo É VIOLENTAR UMA MULHER e conseguir um "bônus" que é violentar as filhas da vítima, não é de se estranhar tal atitude.
Política, manobras e o futuro dos jogos no Brasil
Para o nosso infortúnio, em pleno 2019 jogos entraram novamente em debate não só na sociedade mas no plenário do legislativo, tendo eles aberto uma enquete para saber se jogos violentos influenciam ou não as pessoas. A partir da proposta do deputado Junior Bozzella ( PSL-SP), que tem como meta criminalizar quem criar, comercializar, distribuir ou importar jogos violentos , mesmo depois da derrota onde 99% da população disse que NÃO, jogos NÃO CAUSAM VIOLÊNCIA e não deixam pessoas violentas ele fez uma manobra bem conhecida no plenário para poder passar seu projeto e ser votado no plenário, que foi anexar a sua PL a uma outra já arquivada, podendo assim ela passar desapercebida. Claro que a questão da constitucionalidade da PL é algo discutível mas estamos falando de engravatados em Brasília.
E no final das contas
É cansativo ter que repetir mais uma vez que a questão da violência é mais profunda que só apontar para os jogos, filmes, quadrinhos, séries ou qualquer mídia que seja, a coisa é muito mais complexa e devemos no ater a todos os fatores que somados chegam no denominador comum que são casos de violência extrema. Fatores sociais, econômicos e familiares são somente alguns dos pontos chave a serem debatidos e aprofundados, pesquisas sobre o tema, análises sociológicas e psicológicas. Apontar o dedo é uma solução preguiçosa para resolver um problema muito mais grave que os jogos.
Vamos combater a desinformação e ela só se combate de uma forma, na base do diálogo franco e honesto.
Espero estar enganado mas parece que tempos sombrios se aproximam.