O texto a seguir contém spoilers sobre The Last of Us Part II.

A tão esperada continuação de The Last of Us, anunciada em 2016, ficou disponível para compra em 19 de junho deste ano. Desde seu anúncio, muitos fãs da série ficaram empolgados por saber mais sobre o universo pós apocalíptico e seus personagens favoritos, enquanto outros não se sentiram confortáveis com a coprotagonista Ellie ser mostrada em um relacionamento com outra mulher e decidiram boicotar o jogo.

Após os embargos do jogo serem levantados nesta quinta-feira, 18, um dos membros do RPGsite, site de notícias de jogos RPG, postou no twitter sobre a existência de um arco transfóbico no jogo.

"Não vou pagar $60 dólares por um jogo que maltrata, chama pelo nome errado e abusa um personagem trans. Não me importa quão "pesado" o cenário é; é desnecessário. Desenvolvedores precisam entender que tipo de jogadores se sentirão bem com este tipo de violência direcionada a pessoas trans." | Tradução livre

No jogo, somos apresentados um personagem trans chamado Lev, membro de uma grupo denominado Scars, o qual nos é apresentado no trailer exibido em Paris Games Week em 2017, quando, também, nos apresentam Abby.

Lev é um membro fugitivo do grupo Scars (Cicatrizes) e seu caminho cruza com o de Abby ao longo da trama e seguem jornada juntos, mas reservados sobre suas histórias. Há um momento em que se encontram com outros membros dos Scars, os quais estão atrás de Lev e então procuram um esconderijo.

Enquanto se escondem, é possível escutar os outros membros chamando Lev por um nome feminino, o qual seria seu nome de nascimento. Lev deixa claro que não deseja conversar sobre o ocorrido e Abby não o pressiona sobre o assunto.  Neste momento, vemos a razão da fuga do personagem.

A inserção de um personagem trans na trama de um dos jogos mais aclamados dos últimos anos pode ser considerado um avanço, porém o modo como sua história é contada faz com que o arco se encaixe no gênero pornografia miserável ou pornografia da miséria - misery porn em inglês.

O que é Misery Porn?

Comumente encontrado em biografias, é um gênero que se baseia no triunfo do personagem sobre os traumas vividos, usualmente começando pela infância. Debate-se que é um modo como escritores lidam com traumas, principalmente abuso infantil, e levantam questões que deveriam antes seriam colocadas de lado ou silenciadas. Outros dizem que não é mais do que vouyerismo de quem produz e/ou consome.

Este gênero transformado em trope, por vezes não é feito com o intuito de ser realmente algo a se identificar. Desenvolvedores e escritores decidem incluir um personagem com experiências diferentes para diversificar seu enredo e se tornar inclusivo, porém o fazem de modo que toda a trajetória deste personagem seja em volta de sua dor e trauma.

Quem não se vê no personagem, não nota problema com isto, porém quem compartilha destas experiências entende que somente este tipo de narrativa é o que há para alguém como ele.

O arco de um personagem trans ser feito ao redor de sua miséria demonstra a outras pessoas trans que esta é a experiência que ela terá ao longo de sua vida, que não há como alcançar felicidade. Além de mostrar a pessoas cis que aquela é a única experiência trans existente.

Na comunidade LGBT+, o desejo por representatividade é grande e feito explicitamente que esta seja feita sem estereótipos. Porém, The Last of Us Part II não se preocupou com isto quando pensaram no personagem de Lev.

"É um jogo sobre ódio." disse o desenvolvedor criativo da Naughty Dog, Neil Druckmann, em 2016.

Não há problema em demonstrar a dor de um personagem, sendo ele trans ou não. Porém, há problema em que sua história, do início ao fim, seja ao redor do trauma que o personagem vive por ser quem ele é.

"E sinceramente, embargos que proibem as pessoas de dar avisos sobre o que poderia ser, ou é, um conteúdo de extremamo gatilho é uma irresponsabilidade da parte dos desenvolvedores e publicadores. Estas coisas DEVEM ser conversadas." | Tradução livre

Embargos forem feitos sobre o jogo em questão de conteúdo que poderia ser ou não divulgado antes do lançamento do jogo, e esta questão foi classificado como embargo.

O ator contratado para fazer o motion capture e dublar o personagem é o ator Ian Alexander, homem trans, conhecido por seu papel em The OA (2016), série original Netflix.

Ian Alexander from The OA.
Ian Alexander na permiere de The OA (2016)