Shun de Andrômeda e a Masculinidade Tóxica
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Todos nós sabemos quais são os animes clássicos da nossa infância. Quem nunca ouviu a abertura de Dragon Ball e saiu gritando "eu amo essa música!" enquanto cantava toda a letra? Nunca assistiu Sailor Moon, mas conhece a roupa de marinheiro das personagens e a famosa frase "Vou te punir em nome da lua!"?
E junto com a gostosa nostalgia de relembrar os animes da infância, sempre há uma nuvem de medo que paira sobre os fãs quando surgem notícias de remakes. O escolhido da vez para ser revivido, é um dos mais conhecidos animes da década de 90 que voltará, em 2019, como uma série original Netflix: Os Cavaleiros do Zodíaco.
Porém, em meio a vibrante notícia de reviver um dos mais amados animes, veio uma decepção aos fãs: um dos personagens teve o gênero mudado para mulher e o escolhido para essa mudança foi Shun de Andrômeda que passou a ser Shaun de Andrômeda.
Passando por cima da misoginia de alguns fãs ao não gostarem da mudança, a decepção (e até raiva de alguns) é plausível visto por motivos de retirar uma parte essencial de um dos personagens mais fortes da saga e, com isso, a quebra de estereótipos que o mesmo representava.
Shun sempre foi motivo de chacota em meio ao fandom por usar rosa e ser mais delicado que o resto de seus companheiros de armadura. Ridicularizado pela infame cena na casa de Libra, em que abraça Hyoga para salvá-lo de hipotermia, é caracterizado como gay e usado para piadas homofóbicas.
Sendo um dos 100 órfãos que Mitsumasa Kido juntou para que se tornassem defensores de Athena, sempre mostrou-se quieto e mais sensível que os outros órfãos, recebendo ajuda de seu irmão mais velho, Ikki, quando via-se em meio a brigas.
Enviado para a Ilha de Andrômeda, sendo separado de Ikki, Shun precisa passar pelo ritual de sacrifício que simula o mito de sua armadura, sendo preso à rochas e precisando se soltar antes que a maré suba e o afogue. Após ser acorrentado e quase morrer, utiliza-se do amor que sente pelo irmão e da vontade de encontrá-lo para despertar seu cosmo e passar pela provação, ganhando a armadura de Andrômeda.
Antes de partir para o Japão, na esperança de reencontrar Ikki, seu mestre afirma que Shun não havia despertado o cosmo, necessariamente, no ritual e o cavaleiro confirma, dizendo que o despertou aos poucos durante o treinamento e que nunca o usava nas lutas com os companheiros para que não os machucasse, pois odeia violência.
A gentileza e delicadeza do cavaleiro de bronze difere da maioria dos personagens de CdZ, pois evita utilizar de sua força durante as brigas. É muito comum ouvi-lo dizer que não quer machucar seus oponentes, proferindo tal frase até mesmo contra os cavaleiros de ouro. Na luta contra Afrodite de Peixes, Shun consegue derrotá-lo após ter sua corrente e armadura quebrada.
Não somente é uma luta incrível entre dois dos personagens mais femininos da série (ignorando que na dublagem, Afrodite provoca Shun ao dizer que não acreditava que um rosto de menina escondia tanto poder. Sério mesmo, Afrodite?!), mas inicia-se com o monólogo interno de Shun ao explicar que se considera um homem por cumprir suas promessas aos amigos.
"Não gosto de ficar dizendo que um homem deve agir desta ou de outra maneira, mas acho que se eu não cumprir a promessa que fiz a Seiya, deixarei de ser um homem. E eu sou um homem. Eu cumpro as promessas que fiz aos meus amigos."
Apertando um fastfoward e sendo presenteados com um dos melhores plot twists da série, descobrimos que Shun é a reencarnação de Hades, o deus do submundo. Shun, sempre o protegido pelo irmão e deixado de lado pelo fandom por se mostrar sensível e pacifista, encontra-se como um dos deuses mais poderosos e perigosos. Em um encontro com Ikki, que acreditava que a alma do irmão ainda habitava seu corpo, Shun prova a teoria do irmão ao tentar estrangular-se para se sacrificar e salvar a todos.
A mudança do personagem para uma mulher não entrega a mensagem que Eugene Son, produtor e roteirista da série, queria.
“Quando começamos a desenvolver essa série atualizada, queríamos mudar muito pouco. A única coisa que me preocupou: os Cavaleiros são todos rapazes. A série sempre teve ótimos personagens femininos, o que reflete no grande número de mulheres apaixonadas pela trama. Mas, há 30 anos, um grupo de garotos lutando para salvar o mundo sem garotas não era grande coisa. Esse era o padrão de antes. Hoje o mundo mudou. Garotos e garotas trabalhando lado a lado é o novo padrão.”
Por trás das boas intenções de aumentar os personagens mulher no elenco principal, há uma boa dose de misoginia (aquele velho ditado sobre o inferno estar cheio de boas intenções, ne?). Ao trocar um personagem homem que é sensível e pacifista, por uma mulher caímos novamente do estereótipo de que mulheres não são feitas para lutar e que sempre estarão no ambiente para apaziguar os surtos de testosterona dos amigos homens.
O problema não é o fato de haver mudança no gênero dos personagens, mas quais personagens são mudados.
A (infeliz) escolha poderia ter sido melhor recebida se a mudança ocorresse em personagens que são vistos como pura essência masculina, vide Ikki de Fênix, com seu temperamento explosivo e personalidade caótico neutro.
Em 2014, com o lançamento de Lenda do Santuário, fomos pegos de surpresa com Milo de Escorpião sendo substituído por uma mulher com o mesmo nome. Em 2012, em Saint Seiya: Omega, tivemos novas cavaleiras de ouro totalmente originais: Sonia de Escorpião e Paradox de Gêmeos. Todas estas decisões foram tomadas com a justificativa de apelar para novas gerações, porém nenhuma delas foi tão mal recebida como essa (devo dizer que fiquei chateada com LoS, pois queria ver o Milo repaginado e em CGI. Oh, well...)
Todo esse fenômeno tem nome e sobrenome: masculinidade tóxica. Quando dizemos que um homem não pode chorar, não pode usar cores "femininas", não pode expressar sentimentos e que sempre deve ter uma aura de "macho alfa", estamos reproduzindo um discurso que torna o homem um ser frágil, pois manter esta fachada de força, conquistador e frio, pesa no psicológico.
Shun tem 13 anos durante a Saga do Santuário, agora, imagine um garoto de 13 anos lutando contra homens de 22 a 24 anos enquanto os expectadores gritam e dizem que ele é um fracote por não querer lutar, mesmo sabendo o quão forte é, e que é gay por mostrar afeto aos amigos homens e usar rosa. Masculinidade tóxica em sua pura forma.
Um dos exemplos mais concretos de como masculinidade tóxica pode destruir alguém, em especial crianças, é Shinji de Neon Genesis Evangelion.
É normal ver fãs de EVA chamarem o personagem de covarde, chorão e fraco por não querer salvar a humanidade ao recusar pilotar um mecha que carrega um peso psicológico para o personagem, mas esquecerem do fato que, assim como mais de 60% dos personagens de CdZ, Shinji tem apenas 14 anos.
O uso de crianças em animes shounen recorre ao apelo ao público alvo, porém nada impede de pessoas mais velhas lerem o material e reclamar dos personagens contidos no mesmo. É usual que ocorra, levando-nos novamente ao fato de que estas pessoas, que têm tanto a falar sobre a fragilidade dos personagens homens, ignoram o universo em que as histórias ocorrem e como os personagens se encontram e se veem nesses universos.
Seria como comparar Ash Lynx de Banana Fish com Kujo Jotaro de Jojo's Bizarre Adventure. São personagens fortes, de mesma idade, que sofrem seu desenvolvimento e crescimento dentro de suas respectivas histórias, com seus desafios e expectativas, porém universos totalmente diferentes.
Talvez a Netflix acerte e mude toda a personalidade da personagem, tirando-a dos estereótipos e nos surpreendendo, porém acredito ser algo que não gastariam tempo em fazer. Até o lançamento, continuamos com nossas averiguações e expectativas.