Não é difícil de se notar a diferença entre uniformes dos super-heróis quando o quesito é ligado ao gênero. Temos personagens masculinos vestidos com colãs da cabeça aos pés enquanto personagens femininas são colocadas em uniformes pouco práticos e reveladores.

Jean-Paul Sartre criou o conceito de le regard (o ato de olhar), em seu tratado filosófico O Ser e o Nada, publicado em 1943,  em que o ato de olhar/observar outra pessoa cria uma perspectiva de poder. Esta diferença de poder, entre o que observa e o observado, traduz-se na perspectiva de que o observado é um objeto e não uma pessoa. Logo, tem-se algo e não alguém.

O male gaze, ou "olhar-masculino", é a visão imposta sobre o conteúdo criado por homens em que homens são o público alvo, em sua maioria das vezes. Temos a hipersexualização da figura feminina, necessitando sempre ser sexy e atraente mesmo que em meio a batalhas sangrentas e questões de vida e morte.

Liga da Justiça (2017) em que a Mulher-Maravilha se posiciona no centro com um uniforme revelador enquanto seus companheiros homens estão completamente cobertos

Enquanto mulheres caem sobre o espectro da hipersexualização, homens não fogem do olhar-masculino. Personangens masculinos sempre apresentarão aparência de personalidades inabaláveis, com corpos esculpidos e que sempre conseguirão o interesse romântico no final.

Tendo o público alvo como homens, esta é a combinação perfeita. Temos o objeto do desejo, a figura feminina hipersexualizada, e o realizador da conquista deste desejo, o personagem masculino com forma física impecável.

Batman é um exemplo do olhar-masculino sobre personagens masculinos. Milionário, atraente e com acesso à tecnologia de ponta que decide combater o crime por conta própria

Entretanto, mesmo que este seja um problema ainda muito presente na indústria de quadrinhos e filmes derivados dos mesmos, as edições mais recentes de quadrinhos incluem personagens comentando ou apontando o problema com os uniformes utilizados por mulheres.

Em Vingadores Sombrios, escrito por Brian Michael Bendis, lançado entre os anos de 2009 e 2013, tem em seu enredo supervilões tomando o lugar de heróis quando Norman Osbourne assume o comando de S.H.I.E.L.D. e a transforma em H.A.M.M.E.R., mudando o foco da organização de espionagem para aplicação da lei.

ullseye becomes Hawkeye, Daken takes the role of Wolverine, Scorpion was Venom, Toxie Doxie was the new Scarlet Witch, Skaar was the new Hulk, and Moonstone took the role of Captain Marvel no enredo de Reinado Negro

Neste enredo, temos Moonshine que assume o uniforme de Capitã Marvel, porém com o uniforme de seu debute em 1977. O uniforme, completamente diferente do que conhecemos atualmente, deixa as pernas da heroína totalmente expostas e
Moonshine aparece ajeitando o uniforme e reclamando sobre como é revelador (Avengers, Dark Reign (2009)).

"Uniforme idiota. Sua amiga 'Carol' realmente fez isso? Não era para ela ser feminista? Isso é um ímã de paparazzi. Fica subindo o tempo todo. E não vou nem comentar o quão frequentemente eu preciso depilar..."

Esse não é o único uniforme da Marvel que deixa suas heroínas expostas. Emma Frost, uma dos antagonistas em X-Men, sempre possui um uniforme que se assemelha a uma lingerie. Entende-se a escolha deste uniforme para uma vilã seja do total domínio de sua sensualidade e o que deveria se passar como uma personagem forte. Porém, este uniforme a coloca no estereótipo de que uma personagem feminina será sexy de acordo com o que os criadores - comumente homens - definem como sexy e atraente.

O fato de que Emma Frost enfrenta super-heróis e é considerada uma das vilãs mais fortes do universo X-Men enquanto vestida como uma modelo de lingerie não culmina em uma personagem sexualmente liberada, mas somente mais uma que se encaixa no padrão esperado pelo olhar masculino da indústria.

O universo da DC também apresenta heroínas em uniformes justos e reveladores. Prima do Super-Homem e nativa de Krypton, Poderosa (Power Girl) vem de uma dimensão alternativa, sendo paralela à Supergirl. Seu uniforme icônico é composto de uma capa vermelha, botas e um colã branco de mangas compridas, mas com uma "janela" para seus seios, deixando-os expostos.

Poderosa na capa da edição número 1 de 2009

Em Liga da Justiça Europa, edição 37, Poderosa aparece explicando que não vê problema em sua roupa ser reveladora. Até mesmo sua versão paralela, Supergirl, a confronta sobre o uniforme.

"O que tem de errado com meu uniforme?" "Você não acha que é um pouco demais?"

Escritor e roteirista, Geoff Johns, tentou explicar a razão para a "janela" reveladora no uniforme de Poderosa, na segunda edição de Sociedade da Justiça em 2006, utilizando-se de um artifício emocional e existencial.

Ao encontrar com Super-Homem, Poderosa se emociona e diz que este espaço em seu uniforme é um vazio existencial que sente por nunca ter encontrado um símbolo significativo como o S que ele possui.

Ao olharmos para personagens de HQs precisamos lembrar que a maiore parte de suas ações e, no caso de personagens femininas, são produtos da época em que foram criados. A hipersexualização feminina sempre foi um problema na indústria de HQs, sendo levado para as telas de cinema como o caso de Emma Frost em X-Men: Primeira Classe (2011).

January Jones como Emma Frost em X-Men: Primeira Classe

Porém, podemos verificar que se há necessidade de explicar a razão pelo qual a personagem feminina utiliza de roupas reveladoras como uniforme de batalha, enquanto personagens masculinos vestem colãs que cobrem o corpo por inteiro sem a necessidade de explicação para tal, talvez seja motivo suficiente para mudar o uniforme.

Em filmes derivados dos quadrinhos, vemos a mudança neste quesito quando a direção dos filmes difere entre homem e mulher.

Em Liga da Justiça, 2017, dirigido por Josh Weldon, temos o Flash caindo sobre a Mulher-Maravilha após uma longa queda vertical. O personagem cai diretamente em cima dela, com seu rosto em seus seios.

Não somente no quesito direção de filme, mas também no design do figurino utilizado. Guerreiras e guardas utilizando de roupas de couro que não cobrem o torso é claramente um resultado do olhar-masculino sobre a criação do produto.

Figurino feito por Lindy Hemming em Mulher-Maravilha (2017) e figurino feito por Michael Wilkinson para a Liga da Justiça (2017).

Em Mulher-Maravilha (2017), dirigido por Patty Jenkins, o modo como Diana foi tratada como guerreira e não somente como um objeto de desejo, obteve reações empolgadas de mulheres ao redor do globo.

"Não é surpresa que homens brancos são obscenamente confiantes o tempo todo. Acabei de ver UM FILME com uma heroína e estou prova para enfrentar mil homens simplesmente com meus punhos!"
Foto da General Antíope em Mulher-Maravilha (2017) e General Organa em Star Wars: o Despertar da Força (2015). "Vivi para ver minhas princesas da infância se tornarem generais"

Reações como esta mostram que, mesmo que ainda haja misoginia e sexismo na indústria de filmes e quadrinhos, mudanças estão ocorrendo. Tem-se cada vez mais diretoras e escritoras para filmes voltados para o público em massa e discussões sobre assuntos similares a esse ajudam a introduzir pessoas na indústria que podem trazer a mudança para um conteúdo mais inclusivo e que não perpetue visões prejudiciais na nossa sociedade.

Fonte: Screen Rant