Não é difícil de se notar a diferença entre uniformes dos super-heróis quando o quesito é ligado ao gênero. Temos personagens masculinos vestidos com colãs da cabeça aos pés enquanto personagens femininas são colocadas em uniformes pouco práticos e reveladores.
Jean-Paul Sartre criou o conceito de le regard (o ato de olhar), em seu tratado filosófico O Ser e o Nada, publicado em 1943, em que o ato de olhar/observar outra pessoa cria uma perspectiva de poder. Esta diferença de poder, entre o que observa e o observado, traduz-se na perspectiva de que o observado é um objeto e não uma pessoa. Logo, tem-se algo e não alguém.
O male gaze, ou "olhar-masculino", é a visão imposta sobre o conteúdo criado por homens em que homens são o público alvo, em sua maioria das vezes. Temos a hipersexualização da figura feminina, necessitando sempre ser sexy e atraente mesmo que em meio a batalhas sangrentas e questões de vida e morte.
Enquanto mulheres caem sobre o espectro da hipersexualização, homens não fogem do olhar-masculino. Personangens masculinos sempre apresentarão aparência de personalidades inabaláveis, com corpos esculpidos e que sempre conseguirão o interesse romântico no final.
Tendo o público alvo como homens, esta é a combinação perfeita. Temos o objeto do desejo, a figura feminina hipersexualizada, e o realizador da conquista deste desejo, o personagem masculino com forma física impecável.
Entretanto, mesmo que este seja um problema ainda muito presente na indústria de quadrinhos e filmes derivados dos mesmos, as edições mais recentes de quadrinhos incluem personagens comentando ou apontando o problema com os uniformes utilizados por mulheres.
Em Vingadores Sombrios, escrito por Brian Michael Bendis, lançado entre os anos de 2009 e 2013, tem em seu enredo supervilões tomando o lugar de heróis quando Norman Osbourne assume o comando de S.H.I.E.L.D. e a transforma em H.A.M.M.E.R., mudando o foco da organização de espionagem para aplicação da lei.
Neste enredo, temos Moonshine que assume o uniforme de Capitã Marvel, porém com o uniforme de seu debute em 1977. O uniforme, completamente diferente do que conhecemos atualmente, deixa as pernas da heroína totalmente expostas e
Moonshine aparece ajeitando o uniforme e reclamando sobre como é revelador (Avengers, Dark Reign (2009)).
Esse não é o único uniforme da Marvel que deixa suas heroínas expostas. Emma Frost, uma dos antagonistas em X-Men, sempre possui um uniforme que se assemelha a uma lingerie. Entende-se a escolha deste uniforme para uma vilã seja do total domínio de sua sensualidade e o que deveria se passar como uma personagem forte. Porém, este uniforme a coloca no estereótipo de que uma personagem feminina será sexy de acordo com o que os criadores - comumente homens - definem como sexy e atraente.
O fato de que Emma Frost enfrenta super-heróis e é considerada uma das vilãs mais fortes do universo X-Men enquanto vestida como uma modelo de lingerie não culmina em uma personagem sexualmente liberada, mas somente mais uma que se encaixa no padrão esperado pelo olhar masculino da indústria.
O universo da DC também apresenta heroínas em uniformes justos e reveladores. Prima do Super-Homem e nativa de Krypton, Poderosa (Power Girl) vem de uma dimensão alternativa, sendo paralela à Supergirl. Seu uniforme icônico é composto de uma capa vermelha, botas e um colã branco de mangas compridas, mas com uma "janela" para seus seios, deixando-os expostos.
Em Liga da Justiça Europa, edição 37, Poderosa aparece explicando que não vê problema em sua roupa ser reveladora. Até mesmo sua versão paralela, Supergirl, a confronta sobre o uniforme.
Escritor e roteirista, Geoff Johns, tentou explicar a razão para a "janela" reveladora no uniforme de Poderosa, na segunda edição de Sociedade da Justiça em 2006, utilizando-se de um artifício emocional e existencial.
Ao encontrar com Super-Homem, Poderosa se emociona e diz que este espaço em seu uniforme é um vazio existencial que sente por nunca ter encontrado um símbolo significativo como o S que ele possui.
Ao olharmos para personagens de HQs precisamos lembrar que a maiore parte de suas ações e, no caso de personagens femininas, são produtos da época em que foram criados. A hipersexualização feminina sempre foi um problema na indústria de HQs, sendo levado para as telas de cinema como o caso de Emma Frost em X-Men: Primeira Classe (2011).
Porém, podemos verificar que se há necessidade de explicar a razão pelo qual a personagem feminina utiliza de roupas reveladoras como uniforme de batalha, enquanto personagens masculinos vestem colãs que cobrem o corpo por inteiro sem a necessidade de explicação para tal, talvez seja motivo suficiente para mudar o uniforme.
Em filmes derivados dos quadrinhos, vemos a mudança neste quesito quando a direção dos filmes difere entre homem e mulher.
Em Liga da Justiça, 2017, dirigido por Josh Weldon, temos o Flash caindo sobre a Mulher-Maravilha após uma longa queda vertical. O personagem cai diretamente em cima dela, com seu rosto em seus seios.
Não somente no quesito direção de filme, mas também no design do figurino utilizado. Guerreiras e guardas utilizando de roupas de couro que não cobrem o torso é claramente um resultado do olhar-masculino sobre a criação do produto.
Em Mulher-Maravilha (2017), dirigido por Patty Jenkins, o modo como Diana foi tratada como guerreira e não somente como um objeto de desejo, obteve reações empolgadas de mulheres ao redor do globo.
Reações como esta mostram que, mesmo que ainda haja misoginia e sexismo na indústria de filmes e quadrinhos, mudanças estão ocorrendo. Tem-se cada vez mais diretoras e escritoras para filmes voltados para o público em massa e discussões sobre assuntos similares a esse ajudam a introduzir pessoas na indústria que podem trazer a mudança para um conteúdo mais inclusivo e que não perpetue visões prejudiciais na nossa sociedade.
Fonte: Screen Rant