O palco do espaço cultural Aparelha Luzia, quilombo urbano localizado em São Paulo, recebeu a diversidade musical na voz de Caetana Silva, artista que salta aos olhos por sua criatividade e produção. Na ocasião, ela realizou o show de lançamento de seu primeiro álbum, intitulado Afro Nordestina.

Caetana define sua obra com um projeto artesanal feito por muitas mãos e poucos recursos. “Em um país como o nosso, onde o incentivo segue direcionado para uma elite artística, reunir artistas a um custo quase nulo é uma afronta a quem desvaloriza a arte como trabalho, considerando o alto valor para produzi-la”, afirma.

Natural de Recife e radicada, atualmente, em São Paulo, Caetana apresenta uma trajetória de muita luta e conquistas. Mulher trans, negra, periférica, cantora, dançarina e compositora, a artista atua no universo da arte, cultura e educação desde 2007, período em que iniciou sua formação em dança, teatro e música, atuando profissionalmente já em 2011.

Caetana teve sua origem artística nos mais diversos gêneros de música e dança típicos do Nordeste, como Coco de Roda, Maracatu, Frevo, Brega Funk e muitos outros. Porém, em 2018, a artista lançou seu primeiro cliple e single de Afro Nordestina, chamado Rendida, que lhe rendeu vários elogios e marcou sua primeira produção fora do universo cultural popular fortemente praticado no Recife. Como a cantora desejava entender a reação do público a esse novo trabalho, ela foi lançando uma faixa por vez, totalizando cinco das 12 músicas de seu álbum.

Mas o lançamento gradativo não foi apenas uma estratégia para aprimorar o conhecimento do público, como também um meio da artista driblar a frustração com a demora e falta de estrutura para a estreia de suas obras musicais, em razão da dificuldade financeira. “Eu tenho 28 anos e, somente agora, depois de muita insistência, estou lançando o meu primeiro álbum, quatro anos depois do primeiro single, que considero um marco por começar a cantar outros gêneros, como funk, hip hop e rap, fruto do meu envolvimento com outras produções de meu interesse”, ressalta.

A artista faz uma reflexão sobre a falta de oportunidades aos artistas iniciantes oriundos da periferia: “Nós romantizamos e vemos beleza em um cenário cultural marcado pela falta de políticas públicas para que jovens periféricos, como eu, não escolham o mundo do crime. A beleza, portanto, está do outro lado, na força da população insatisfeita com a falta de investimentos em arte e cultura e na união de artistas periféricos que acreditam na realização dos seus sonhos. Essas são as ferramentas motoras da ideia de que gente preta, pobre e moradora da favela também pode ser artista”.

Tal panorama, inclusive, aliado a uma série de questões sobre o entendimento pessoal de Caetana a respeito de seu ciclo educacional familiar e produção, ao se perceber artista, inspirou o nome de seu primeiro álbum. “Estamos falando da dificuldade de ser artista, mas, e se nisso incluímos a questão da sexualidade? Afinal, para a travesti, a ideia de se tornar artista é algo ainda mais distante. É essa a trajetória que estou cantando em Afro Nordestina. A negação ao corpo T desde a minha infância. Ser esta pessoa e ser artista. Nesse trabalho, eu assumo a personagem que tem o poder da fala. Eu sempre quis falar. Mas a nossa educação não nos prepara para isso.”

Com apenas duas faixas não próprias, uma em parceria com a escritora urbana Jennifer Caldas e outra um remix de Asa Branca (Luiz Gonzaga), o álbum conta com 13 faixas e dez composições autorais. Com capa de Kadu Xucuru, a obra tem participações como Deize Tigrona, Formiga Dub, Beto Larubia e Nilla.

“A busca pelo afetivo na obra é falar do território, do corpo, e da transmutação que se faz necessária, em tudo o que há à mão do patriarcado e do capitalismo branco-cristão, do cis-tema e a lógica binária de sociedade. E, lançar meu álbum em um espaço como o Aparelha Luzia é um privilégio, já que se trata de um quilombo urbano cheio de importância e significado, tendo ‘Malunguinho, símbolo de luta em Pernambuco, como guardião do lugar”, conclui.

O show teve entrada gratuita, mas contou com a colaboração espontânea do público, por meio de doações para a vakinha.

Acompanham Caetana no show: Natália Santos (percussão e back), Patrícia Soares (percussão e back), Iam Horla (percussão), Jeferson Magalhães (beatmaker), Camila Cardoso (produção), Quica Produções e Nilla (Produção musical)

Participação especial:

Antônio Vitor (Sanfoneiro)
Monstrava (Discotecagem)
Joa Assumpção (Poeta e dançarina)
Cauane Nogueira (Poeta)