Colocado em financiamento coletivo no Catarse em 2020, Fobia - St. Dinfna Hotel é um esforço que reuniu diversas vertentes para fazer um projeto audacioso ganhar vida e ver a luz do dia.
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Seria possível um game brasileiro tomar as proporções de um AAA e bater de frente com muitos títulos de Survival Horror já consolidados do gênero? A resposta eu já te dou de cara: sim.
Infelizmente, algumas franquias como Silent Hill foram guardadas no refrigerador e esquecidas, mas a década de 2020 tem sido muito generosa com os fãs de jogos de terror em geral, já que eles estão mais em alta ultimamente.
Além de Resident Evil Village, que redefiniu muitos parâmetros de gameplay e pacing entre terror e ação, ainda tivemos alguns remakes da franquia que fizeram o termômetro da nostalgia estourar.
Não podemos nos esquecer de alguns títulos, como The Medium, que personificou, de maneira poética, os traumas pessoais; e o controverso Martha is Dead, que mostrou como escolhas difíceis impacta a vida das pessoas e faz com que elas guardem monstros dentro de si que às vezes nem sabiam que existiam.
Além disso, é importante olhar para o futuro que nos aguarda, já que ainda temos The Callisto Protocol, que chega em dezembro, e o remake de Dead Space, que sai em janeiro. Dessa maneira, quem sabe, ter um ar de esperança de que o gênero seja novamente visto com bons olhos pelas grandes empresas e recebam mais investimentos.
Nesse meio tempo, é trabalho dos indies dar voz a gêneros, experimentar coisas e fazer o que parecia algo impossível. Porém, o pessoal do estúdio da Pulsatrix Studios foi lá e fez mais. Por isso, confira abaixo a nossa análise de Fobia - St. Dinfna Hotel!
A história de Fobia - St. Dinfna Hotel
Fobia se passa em uma cidade fictícia do interior de Santa Catarina, chamada Treze Ilhas. Além de um pacato local isolado do interior, a cidade é assombrada por diversos desaparecimentos e eventos um tanto quanto misteriosos, que fazem com que o recém-formado jornalista Roberto Leite Lopes decida visitar e tentar entender o que está acontecendo.
Tudo parecia indo de mal a pior, já que as suas investigações não o levavam a lugar algum. Ao decidir ir embora, Roberto então acaba se deparando com um evento que o leva para um hotel completamente diferente do que havia antes: destruído e cheio de criaturas bizarras. Agora ele realmente precisa sair dali para conseguir contar ao mundo a sua história.
Eu geralmente gosto bastante de jogos de terror porque eles geralmente tem um bom enfoque em narrativa. Em Fobia não foi diferente, cada vez mais que você vagava, resolvia os puzzles e coletava informações, mas você via que a história ia ficando densa.
E isso é algo que te prende do início ao fim: essa ânsia de saber o que está acontecendo e aonde isso vai te levar. Fobia faz esse trabalho com maestria, seja na trilha sonora, seja na dublagem profissional em português que é realmente muito bem feita.
A mecânica travada que a gente gosta
Embora possua certa ação, eu já falei uma vez: jogos de terror focam muito em resolução de puzzles. Fobia não foge muito dessa premissa, o que demonstra que os desenvolvedores fizeram muito bem o dever de casa.
Além dos desafios normais, outro ponto legal é a utilização da lente de Roberto, que permite que ele veja mensagens ocultas ou "do outro mundo" para ajudá-lo a sair desse pesadelo no qual ele se enfiou.
O nível de exploração é realmente vasto, já que existem muitos cofres, armários e gavetas para coletar itens e munição, já que realmente, derrotar alguns inimigos com arma de fogo não vai ser uma tarefa assim tão simples.
Diferentemente de Resident Evil 3, que não oferece tanto backtracking assim, Fobia não sofre desse mal. Muitas áreas podem e devem ser revisitadas ao longo da trama, o que dá aquele ar interessante de que sempre terão segredos novos a serem revelados, mesmo que você ache que já olhou em tudo. Sempre terá deixado algo passar despercebido.
Fazendo check-in nas referências
O que não falta em Fobia são referências a jogos clássicos de terror. Logo de cara, nos deparamos com uma cena de fuga que lembra bastante a cena de Sebastian em The Evil Within, porém seu perseguidor é um monstro humanoide que lembra bastante William Burke, de Resident Evil 2.
A lente do "Outro mundo", remete muito a títulos como Fatal Frame e Outlast, com sua câmera para registrar tudo. E, por que não homenagear uma das maiores franquias de Survival Horror tendo uma outra dimensão completamente corrompida? Esse é fácil: Silent Hill.
Além de uma Menina do Gás, que remete muito a Alessa, também vimos um buraco no quarto — para quem não se lembra desse, estamos falando de Silent Hill 4: The Room.
Ao mesmo tempo em que tenta ser brasileiro em sua essência, Fobia abraça bem as referências estrangeiras com maestria, algo que denota realmente um tom de tentar encontrar fãs em diversos mercados que não o nosso.
Os monstros da vida real
Essa seção eu reservei para ser completamente dedicada a avaliar a questão do desenvolvimento de games no Brasil. Como game designer formado e agora na área de jornalismo, eu entendo que a indústria brasileira de games não tem dado os incentivos necessários para que as empresas voem alto e façam mais jogos AAA.
Uma das coisas mais legais de ver a indústria indie é poder ver aonde ela consegue ir com a criatividade, inovação, mesmo com recursos limitados. O resultado disso é enfoque em estilos artísticos e mecânicas mais acessíveis.
O caminho é árduo, mas os monstros da vida real podem ser mais impiedosos do que quaisquer já feitos em um game de terror. A solidão de vagar em um hotel no interior de Santa Catarina pode ser menos sentida do que tocar projetos pessoais sem incentivo.
E embora seja um processo que vai aos poucos sendo feito, eu sabia que teriam aqueles que tentariam vencer essa barreira. Fobia ousou ir mais longe, assim como Dolmen também ousou ir.
Ao seguir o caminho de visuais diferentes e mecânicas mais ousadas, o game atingiu um patamar que sempre foco: desenvolver ainda mais a indústria nacional para incentivar mais pessoas a mostrar que isso "é possível", de alguma forma.
Fobia consegue ser um game indie com uma cara de AAA que demonstra claramente o poder dos desenvolvedores que temos. O que falta, muitas vezes é o incentivo, que vem dos financiamentos coletivos (com ajuda da comunidade e de criadores de conteúdo), em um mundo dos monstros da vida real, mas que nos unem de uma maneira sem igual.
E, olhando para o futuro, eu consigo ver mais desenvolvedores seguindo por essas águas e provando que é possível atingir ainda mais bons níveis técnicos de arte, com textura, modelagem, dublagem e mecânicas, cutscenes, algo que Fobia faz com maestria.
Mas e aí, Fobia - St. Dinfna Hotel vale a pena?
Lendo esse texto até aqui você já deve ter percebido que eu não sou nem um pouco fã de jogos de Survival Horror. Mesmo que algumas coisas precisem de alguma polida, como alguns problemas na mecânica, isso não é algo que me incomoda de forma alguma.
Para quem atirava em Silent Hill da forma mais triste possível, um game em FPS com tiro e que junta diversos elementos que eu gosto em um lugar só, para criar não só uma atmosfera aterrorizante, mas completamente coesa em sua essência. É de se tirar o chapéu.
Ou seja, Fobia - St. Dinfna Hotel não é só um game muito bom, ele é um grande ode, uma homenagem enorme aos jogos clássicos de jogos de terror que temos aí na indústria. Um game que ousou voar longe, levar a qualidade técnica a outro nível e conseguiu. Sendo assim, se você é fã de todos os jogos que citei acima, dê uma chance a Fobia - St. Dinfna Hotel!
Fobia - St. Dinfna Hotel está disponível para PC, PS4, PS5, Xbox One e Xbox Series X/S. Esta análise foi feita com uma cópia gentilmente cedida pela Pulsatrix Studios.